As relações entre Arquitectura (espaço físico) e Música (espaço musical) sempre foram objecto de múltiplas experiências e comparações, por vezes bem curiosas. A proximidade e conexão entre estas duas artes do espaço sempre despertou muito interesse, quer pela parte do arquitecto que facilmente se embrenha na música, quer pela parte do músico que, frequentemente, envereda no mundo da arquitectura, como metodologia de trabalho.
Embora a visualização de padrões e formas na nossa imaginação, provenientes de memórias visuais, que traduzem as nossas experiências quotidianas, o visual não diminui o aural, torna-se antes, um equivalente imaginário das propriedades corpóreas do som.
Embora a visualização de padrões e formas na nossa imaginação, provenientes de memórias visuais, que traduzem as nossas experiências quotidianas, o visual não diminui o aural, torna-se antes, um equivalente imaginário das propriedades corpóreas do som.
Sem se aperceberem, arquitecto e músico facilmente se encontram num espaço arquitectónico a ouvir música, a reflectir e a projectar sobre novos conceitos e ambientes, a pensar na materialização da atmosfera que aquela musica de Stanley Clarke lhe transmite ou como criar o ambiente de final de tarde da casa de chá da Boa Nova.
No caso da arquitectura, talvez o exemplo mais conhecido seja o arquitecto Iannis Xenakis que trabalhou no atelier de Le Cobusier e mais tarde se dedica inteiramente á composição. Xenaquis, aparentemente, expressa a sua pesquisa a um nível mais formal, abordando entre outras, a natureza do ritmo, transpondo a sua pesquisa e regras de composição musical para a arquitectura, nomeadamente para a composição de fachadas, que reinterpretava como uma pauta musical.
De uma forma redutora, é certo que ao nível da composição e organização há um paralelo entre ambas as artes, a arquitectura é uma geometrização do espaço e a musica uma geometrização do tempo. Embora esta transposição directa e linear seja um dos pontos de ligação entre as duas artes, as suas ligações abarcam vários cruzamentos e interferências, que fazem avançar a procura de ambas as disciplinas. Os aspectos que nos despertam mais interesse são os aspectos ligados ao cognitivo.
No caso da música, talvez seja interessante mencionar do compositor Fausto Romitelli e a sua visão sobre a experiência perceptiva e material.
“ No centro da minha composição encontra-se a ideia de considerar o som como um material no qual se mergulha, a fim de forjar as suas características físicas e perceptivas: grãos, espessura, porosidade, densidade de luminosidade e elasticidade. Por isso, é a escultura de som, a síntese instrumental, anamorfose, a transformação da morfologia do espectro, e uma deriva constante para as densidades insustentáveis, distorções e interferências…” Fausto Romitelli
Na verdade, mais do que a composição musical, o som é uma realidade da arquitectura. Temos a capacidade de ouvir a arquitectura, a forma como o espaço absorve a vida que a circunda. Ouvir os sons que se produzem, com o vento, com o toque, mas sobretudo, ouvir a reverberação do que nos envolve. Podemos aqui fazer uma referência a Alvin Lucier, compositor americano que abriu campo á experimentação electrónica e á sua interacção com o espaço, explorando esta reverberação de que falamos. Por exemplo, um espaço com pouca capacidade reflectora, abafa os ruídos e parece-nos subitamente mais acolhedor, mas o eco de um espaço vazio, amplia o desconforto da sua nudez.
Enquanto o olhar se dirige sobre algo mais além, seleccionando algo, o som ou a sua ausência, é algo que nos envolve, que vem até nós sem distinção. Podemos passar na Rua de Santa Catarina e não ver o relógio no topo do edifício de Marques da Silva, mas quando ele toca é o centro das atenções. Podemos não reparar nos pormenores arquitectónicos, mas ouvimos o eléctrico a passar, os pregões das pessoas que vendem meias, os músicos a tocar.
Enquanto o olhar se dirige sobre algo mais além, seleccionando algo, o som ou a sua ausência, é algo que nos envolve, que vem até nós sem distinção. Podemos passar na Rua de Santa Catarina e não ver o relógio no topo do edifício de Marques da Silva, mas quando ele toca é o centro das atenções. Podemos não reparar nos pormenores arquitectónicos, mas ouvimos o eléctrico a passar, os pregões das pessoas que vendem meias, os músicos a tocar.
A percepção do som transforma a escala do espaço. Ao ouvir o barulho dos passos num corredor, percebemos a sua dimensão. O som torna-se mensurável. Dando-nos a entender a espacialidade onde nos inserimos.
Da mesma forma como quando observamos o exterior através de um vidro, todos os movimentos se tornam fantasmagóricos, pela ausência ou quase ausência de som. Assim que a porta para o exterior se abrir, saímos do isolamento e mergulhamos na realidade exterior, tornando-nos parte activa desta realidade, experienciando com todos os sentidos a sua pulsação. As notas em constante mudança de tonalidade e ritmos dos sons. Da mesma forma, o jogo de linhas horizontais e verticais, de curvas em direcções diferentes, com manchas de cor que se acumulam e se dissolvem.
É esta incessante procura por novas experiências cognitivas que nos motiva a continuar. Esta procura por novos ambientes que nos toquem.
João Pedro Barbosa